Anarquia e Racismo. Lorenzo Kom’boa Ervin

Encontrei esta zine entre os pdf que vou revendo quando consigo. está em inglês… tive de traduzir, tinha de  fazer uma zine em Português… Aqui vai o texto completo com link’s, faz a tua… quando esta estiver pronta para imprimir publicaremos aqui… até lá… Que dizes?

Com o aparecimento de grupos como os anarquistas nacionalistas na Europa ou mesmo os nacionalistas autónomos, e outros grupos puristas e/ou anti fascista que imitam o “visual radical anarquista” (botas de combate, roupa preta, hardcore-punk, vocabulário, etc…). Com doutrinas maçónicas (religiosas) no anarquismo, com a esquerda sempre á janela, e com as várias prioridades dentro do movimento anarquista, fica uma pergunta: Está o Movimento Anarquista a ajudar a supremacia branca?

Esta zine é sobre o anarquismo nos EUA. Para um português pode parecer uma crítica á esquerda… Não sei se Lorenzo conhecia o Ska 2 tone ou se o inclui nas suas críticas. Mas muitos dos seus pontos devem servir de precursor para pensar: Poderá isto estar a acontecer em Portugal?

Lorenzo Kom’boa Ervin nasceu em 1947, escritor, activista, e anarquista negro. Foi membro dos Black Panther Party. Participou nos protestos de acção directa que ajudaram a acabar com a segregação racial em Chattanooga, foi arrastado para a guerra no Vietnam, onde se tornou activista contra a guerra. Em 1967 juntou-se ao Student Nonviolent Coordinating Committee, e depois Black Panther Party. Em 1969, desviou um avião para Cuba para fugir á acusação de alegadamente ter matado um dirigente do Ku Klux Klan. Em Cuba e na Checoslováquia ficou desiludido com o Estado Socialista. Os EUA conseguiram a sua extradição e foi condenado a prisão perpétua. Foi na prisão nos anos 70 que conheceu o anarquismo, foi ajudado pela Anarchist Black Cross. Foi na prisão que escreveu a zine Anarchism and the Black Revolution, entre outros. Foi liberto passado 15 anos, depois de inúmeros apelos.

Quando saiu da prisão juntou-se ao grupo Concerned Citizens for Justice, que lutava contra a violência policial e o KKK. Em 2008 ele e a mulher organizaram uma marcha contra a morte de dois jovens negros enquanto detidos no Chad Youth Enhancement Center, e a morte de outros prisioneiros no Nashville Detention Center, alegadamente mortos por guardas. Em 2012 com outros activistas negros organizou a conferência “Let’s organize the Hood”, e criaram a Memphis Black Autonomy Federation, que lutava contra os altos níveis de desemprego e pobreza nas comunidades afro americanas, brutalidade policial, uso injustificado de força letal, e a prisão em massa dos negros e outras pessoas de cor, devido á guerra contra as drogas.

Em 1997 Lorenzo foi convidado para ir á Austrália pela organização anarquista “Angry People”. A política anti imigração Pauline Hanson acusou-o de ser “um conhecido terrorista”. Depois da sua libertação, foia celebração NAIDOC, como convidado do Murri people (indígenas australianos), onde deu um pequeno discurso. Tentou visitar o Australian Black Party mas foi barrado pela polícia. Lorenzo saiu da austrália por si, para não ser deportado. Vive nos EUA.

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Zine: ANARQUISMO E RACISMO; Lorenzo Kom’boa Ervin

  • Este é o primeiro tema do Journal of anarchy and the Black Revolution, e apesar de eu pensar que não será o ultimo, eu não sei de que forma irá ser daqui para a frente. Depende muito da natureza da luta negra anti-autoritária que se está a desenvolver e a fermentar nas nossas comunidades. Não sabemos precisamente qual será a relação com o movimento anarquista norte-americano. Uma relação fraternal, de hostilidade, ou apoio preocupado.

Claramente um movimento que é todo branco, classe média, e ingénuo no que diz respeito á nossa luta, não é um que nos possamos unir. Acrescentando, que é um movimento que pode fazer muito pouco por ele próprio, quanto ajudar na nossa luta. Portanto é tempo de uma conversa clara com os anarquistas se queremos dar o passo a caminho daqui até á possibilidade realista da revolução social. Por mais de 15 anos, desde que estive no chamado movimento North American Anarchist, que estou em guerra com o mesmo. Apontei continuamente em artigos, cartas, publicações anarquistas, discursos, e em conversas pessoais que o movimento anarquista americano não é para levar a sério. Até duvido que seja um movimento social, mas sim uma sena da contra cultura do jovem branco. Não sou o primeiro a reconhecer isto. Muitos outros negros e anarquistas não brancos com quem falei como Juliana em Minneapolis, Greg em Seattle, Barbara em Nova Iorque, Ojore em New jersey, Shaw in Massachusetts, entre outros, confirmam. Também muitos activistas negros radicais e comunidades que estão interessados no anarquismo, perdem-no devido a ser uma sena da classe média branca. Quem podem culpar? O movimento anarquista tem das piores políticas na questão de classe e raça nesta sociedade, e nem tenta mostrar-se interessado com as condições da massa negra super oprimida. Onde quer que tenha tentado falar do assunto no movimento anarquista, como diversidade cultural e racial, ser o movimento apelativo á comunidade negra e de países do 3ª Mundo e atrai-los para o movimento, construir um novo movimento anti-racista para desafiar a identidade branca como a opressão dos não brancos, tenho tido resistência por parte dos “Anarquistas puristas” e brancos radicais no movimento. Lutei com o IWW, a Social Revolutionary Anarquist Federation e outros grupos anarquistas americanos nos anos 70, quando vim pela primeira vez para o movimento anarquista. Recentemente entrei em confronto com um grupo chamado Love and Rage Revolutionary Anarchist Federation, com sede em Nova Iorque. Isto não é um assunto novo, acontece há décadas.

Anarquistas Puristas e Supremacia Branca

A questão que se levanta é: Estão os anarquistas a construir conscientemente um movimento branco, para o que eu chamo assuntos de “direitos brancos” que só interessam aos radicais chic’s de classe média? Este é o caso mesmo quando muitos vivem em cidades com centros maioritariamente não brancos como Detroit, Oakland, Atlanta, Philadelphia, etc. Eles vivem nos guetos anarquistas e olham para a comunidade negra como “em redor” com suspeita e hostilidade silenciada. Pode este tipo de movimento trabalhar para uma revolução social quando para o fim desta década prever-se que metade desta nação serão não brancos? Penso que não.

Até o partido republicano reconhece que não pode levantar a poeira ou ter esperança em construir uma coligação de governo capitalista sem a participação dos não brancos, portanto o que está mal com estes anarquistas?

Anarquismo purista é uma forma de conformidade ideológica, um método de manter os ideais anarquistas “puros” e prevenir qualquer novo movimento que viole os princípios cardinais da tradição. Ensinamento e prática do Anarquista europeu. Também funciona para assegurar que só pessoas brancas irão definir, e continuar a definir a teoria anarquista, que só brancos atingirão lugares de destaque no movimento. Movimentos que surgem nas comunidades hispânicas ou negras, que são influenciados por nacionalismo revolucionário, o ponto anti autoritário do anarquismo será denunciado como “não sendo realmente anarquista”, recusando apoio. Tenho visto isto ser feito historicamente ao Student Non-Violent Coordinating Committee nos anos 60, Eu e Martin Sostre nos anos 70. Ao MOVE nos anos 80 até aos dias de hoje. Sem falhar, isto é manter o movimento “certo” (e branco). Mas também mantêm uma ideologia straitjacket que separa os separa dos eventos fora da comunidade branca radical, onde é o mundo real, portanto ajuda o marginalizado anarquista quando pede conformidade com o catecismo que Bakunin or Kropotkin escreveram á 100 anos. Como pode isto ser diferente dos marxistas?

Existe também a questão do elitismo e racismo como o daqueles anarquistas da Love and Rage que pensam poder falar pelos revolucionários negros e das suas comunidades. Estas pessoas vivem em casas privilegiadas, deixaram a casa para brincar ao revolucionário mau e fingir ser pobre. A verdade são que um par de botas de combate, jeans rasgados, uma t-shirt suja não faz de uma pessoa um conhecedor da política americana ou um pobre. Isto não é mais que trabalho missionário para essas pessoas. Podem ter mudado de atitude, são arrogantes, doutrinários, e condescendentes ao máximo. Sentem ter a resposta, e que todos, especialmente os negros, os devem seguir á terra prometida. Só eles estão qualificados para falar de questões de raça e de classe. Sabem tudo. Por isso só um movimento arrogante e egocêntrico aceitará este tipo de ética social como ponto-chave do movimento. Existe outro tipo de radical branco dentro do movimento anarquista que precisa de ser discutido, este é o tipo que diz não saber de diferenças entre as condições de trabalho dos negros e do brancos, e diz que “Estamos todos no mesmo barco”. Este tipo pretende não ver qualquer repressão racial na sociedade americana, e que os negros e outros não brancos não merecem “tratamento especial”. São geralmente encontrados nos grupos anarco sindicalistas dos EUA. Uma velha linha, uma posição economista, que sacrifica a luta contra o racismo em nome da paz da classe trabalhadora entre brancos e negros. Devemo-nos unir em volta da economia, e evitar “contenções” e “divisões” devido á raça. Mas como vou expor, isto é em si, uma posição escapatória e racista, mostra falta de moral na raiz.

É realmente um cop out tentar afirmar que a “classe trabalhadora” está a ser oprimida sem apontar que não existe uma classe trabalhadora monolítica nos EUA, e nunca houve. Sempre existiu a explorada e brutalizada classe trabalhadora Afro americana, começando com a escravatura, tanto na fase agrária como industrial da economia, até à chamada idade da informação. O trabalho negro sempre foi sujeito à repressão social adicionada à luta dos trabalhadores contra o capital.

É redundante e do pior dizer que não existem diferenças na posição social da classe trabalhadora negra, nem repressão especial, num grupo como o Workers Solidarity Alliance. Num artigo publicado em ideias e acção, o jornal politico WSA, um escritor disse que não viu diferença ou “nada de especial” como o próprio disse a pessoas de esquerda e a situação deós Afro-americanos. Mas o assunto mais infame da publicação, estava num artigo de página inteira, impresso em 1990, chamado “ Trabalhadores brancos e Racismo” em resposta ao assassínio racista de Yusuf Hawkins em Nova Iorque. Na mais onda da moda possível, o artigo tenta equiparar “ ataques contra brancos inocentes”… com o brutal assassínio racista de Hawkins. Neil Farber (pseudónimo de um membro da WSA) fala sobre “racismo e demagogos em ambos os lados”, uma cop out clássica da classe média branca. Ele nega que existem coisas como privilégios para os de cor branca, dizendo que foi uma criação de segmentos da estrema esquerda nos anos 60. Devemos assumir que ele estava a falar sobre os Black Panther Party ou do Revolationary Black Workers, apesar de tentar mostrar que está a falar de brancos radicais. Ele diz que o relativo melhoramento dos níveis de vida se deve á “Luta dos trabalhadores”, como se os trabalhadores brancos tivessem “ganho” as suas botas a lutar contra o patrão. Não é verdade, a classe média branca e o seu nível de vida só é possível devido á super exploração de países colonizados e escravatura. E contínua super exploração dos Afro-americanos e outros trabalhadores não brancos. Este sem sentido de Farber é coroado por um testemunho que o movimento Anarco Sindicalista “sempre” apoiou as lutas dos trabalhadores oprimidos. Isto é mentira, o movimento anarquista em geral nunca apoiou a luta negra ou entrou num movimento anti-racista. A WSA não é exceção, só agora aderiram. A negação dos privilégios da pele branca é um tipo de “ocultismo” que a esquerda branca em geral, e os anarquistas em particular são culpados. Este “ocultismo” ou o ocultar da verdade da opressão sobre os negros também foi apelidado de “ white blind spot” por radicais como Noel Ignatiev, um organizador e teorista radical de longa data sobre raça e luta de classes. Adicionado ao se esconderem atrás dos problemas económicos, existe um tipo de escapatória eclética dentro do anarquismo americano que pretende que a opressão de género, opressão sexual, ou outra contradição entre a nacionalidade branca está a par ou é até mais importante que a supremacia branca. Estas pessoas são geralmente das que também subescrevem a repartição, ou tenta limitar as dinâmicas do tema racismo a uma coisa ao lado, ou uma coisa politica, ou só mais um “ism”. Isso reflete-se no seu movimento, quase todos os movimentos contra o “fascismo” ou contra o que chamam de racismo, habitualmente organizado por grupos KKK/Nazy.

  • Nunca lidam com o racismo institucional ou com o diferencial da supremacia branca na qualidade de vida do país. É tudo emocional, idealista, e certamente não trás nenhum bem de mais aos negros e outros não brancos. Não estamos mais protegidos do fascismo devido a estes radicais brancos faz-o-bem. Eles são parte do problema, não parte da solução. Quem sabe se será possível para os anarquistas dos EUA coexistir com, quanto mais trabalhar com uma nova e emergente movimento anti autoritário negro? Uma coisa que os anarquistas brancos devem entender é que não é meramente uma questão de trazer negros e outros não brancos para o movimento anarquista, só para dizer que têm caras negras nas fileiras; temos de criar uma sociedade não racista onde o principal é a união. Bom, já libertei raiva suficiente, para escrever este primeiro artigo. Espero que gostes.

 

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